Os Purí nas artes em São Paulo
- Puri Vivo
- há 2 dias
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por Antônio Dutra - Tindaíuô Kongré Pury

A Pinacoteca de São Paulo é indubitavelmente um dos maiores centros de exposição de arte pictórica, escultura e instalações. O espaço amplo, generoso, é um convite ao passeio da história da arte, em especial, pelo conjunto entre o século XIX e arte contemporânea. Debret, Victor Brecheret, Timotheo da Costa, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Lasar Segall, Iberê Camargo são alguns dos nomes entre a multitude de artistas e obras. No meio destas, há impressões das gravuras do livro Viagem ao Brasil, publicado na segunda década do século XIX, que retrata a trajetória do Príncipe renano Maximilian Alexander Philipp zu Wied-Neuwied no país.
Em um mundo sem antropologia, e que antecederia o último influxo europeu colonial, a diferença passou a ser lida pela ausência, pela redução do outro. Nesse mundo misturado de valores científicos, curiosidade e atraídos por esse novo país que nascia, afinal, Reino Unido era uma condição nova para a Colônia que em 1822 se faria independente.
Wied-Neuwied encontrou-se com alguns indivíduos Purí. A curiosidade transformada em impressões e ilustrações que alimentam o interesse dos pesquisadores e os purí contemporâneos. Para estes, são como um instantâneo entre o que receberam de suas histórias familiares, e o que se imagina ter sido o modo de vida original, destituído da noção da noção de propriedade privada, que custou a vida a tantos dos nossos antepassados, as matas e a transformação em fórceps da etnia em trabalhadores rurais e, ao longo do tempo, citadinos.
Quem passa atento, pelas gravuras, há de ver Les Cabanes des Purís [As Cabanas dos Purís], 1822. Lá estão representados, uma estrutura simples de madeira, na verdade, duas estacas que dão suporte a outra ripa, que inteligentemente servem de apoio para folhas longas, possivelmente de palmeiras que são amparadas por uma sequência de folhas oblongas, se me permitam dar um chute, diria eu que as folhas das palmeiras podem ser da palmeira-juçara (Euterpe edulis), hoje ameaçada de extinção; e as folhas alongadas podem ser da árvore Guapeba (Chrysophyllum imperiale), também em perigo. A cena tem sua candura, o homem deitado em uma rede, ao chão uma mulher segura cuidadosamente uma pequena criança, quase ao lado do fogo que aquece – sugerindo ou a noite ou dia de época mais fria – e assa um pequeno símio. Todo languido, imóvel, um cão rajado, desses que se veem pelas ruas do norte fluminense, dá um ar caseiro e íntimo ao conjunto.
Ao lado da imagem repousa, a releitura do parente artista Denilson Baniwa, que riscando o nome da imagem original, escreve Voyeurs (obra de 2019), acrescentando uns celulares que apontam para cena. Instantaneamente, a obra nos faz refletir na transformação em espetáculo das vidas indígenas, e o pouco interesse real que o modo de vida dos povos originários parece despertar. Não deixa de ser curioso de que a intervenção artística se dê justamente a partir de uma água-forte em papel representando este povo que a todo momento precisa provar que existe, que é realmente indígena, que possui toda uma construção de heráldica, se é possível dizê-lo dessa forma, para validar para indígenas e não-indígenas que existimos, que há um povo Purí.
Para exemplificar no totem eletrônico que aponta a existência das línguas indígenas no Brasil, no Museu da Língua Portuguesa, quase em frente à Pinacoteca, não há sequer uma linha para dizer sobre os Purí, ainda que o dissesse como nós do presente, extintos, ocos, transparentes; muito menos referência a qualquer um dos processos de retomada linguística que pequenos grupos fazem, como por exemplo a tentativa consistente de retomada da tradição da língua Purí de Guiricema (MG), a partir do copilado de nosso mais velho Felismar Manoel-Nhãmanrúri Schutxer Pury, disponível neste Centro de Memória do Povo Purí.
Se o artista Baniwa percebe o interesse voyeur sobre os indígenas (no passado e presente) como pessoas Purí a nossa luta se aprofunda talvez um pouco mais, a nossa insurgência hoje é contra o silenciamento, a invisibilidade, e a negação sistemática da identidade, a que mesmo neste ano de 2025, nós, três ou quatro gerações após Les Cabanes des Purís (1822) observamos.
Apesar de todas essas questões, e muitas outras, foi bom ver aquele casal ancestral Purí na Pinacoteca, não tendo os olhos de Maximilian A. Philipp zu Wied-Neuwied, pude reconhecer a candura e afeto da cena. Fiz questão de tirar uma foto, da água-forte sobre papel, de mim com a imagem; que naquele momento era como um aceno dos ancestrais, como me dissessem, de um modo muito particular que, por onde eu for, nesse mundo de muitos passos, eu sou um Purí. Tirei a foto, guardei-a comigo, e escrevi esse texto como um aceno de volta.

Sim! Ainda há um povo Purí... Insistente, resistente, ressurgente!