Ressurgência Pury (Purí) sob a perspectiva de uma autodeclarada: sobre a língua Purí / Pury
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Por Carmelita Lopes - Ñáma Telikóng Pury
Primeiras anotações sobre a língua
Os registros iniciais da língua Pury remontam ao século XIX, oriundos de missionários, viajantes e naturalistas. As palavras e expressões coletadas estão dispersas em fontes como listas lexicais e vocabulários.
Essas anotações são: limitadas e fragmentárias; revelam lacunas quanto à pronúncia e uso em contexto; não capturaram a dinâmica viva e funcional da língua falada; e refletem a influência da língua da época de origem do anotador.
Mesmo assim, esses materiais constituíram as únicas pistas documentais da língua antes dos atuais esforços de ressurgência.
Tronco e Família Linguística
A etnia Pury aparece classificada no IBGE (2010) dentro do grupo de “Etnias cujas línguas são sem classificação determinada e não são classificadas nem em troncos e nem em famílias” (IBGE, 2010).
Apesar de divergências classificatórias entre alguns pesquisadores, da fragilidade dos dados e ser uma das línguas menos documentada, o Purí foi inserido em uma família linguística homônima, a família Purí.
Essa família hipotética, composta pelas línguas Purí, koroado e Koropó, foi incluída no Tronco Macro-Jê com base em similaridades fonológicas, contextualização histórica e geográfica da família.
A língua Pury, modalidade de Guiricema (MG)
A língua Pury, modalidade de Guiricema (MG), (doravante) Pury de Guiricema, nos foi trazida pelo Opé-Antár (amigo mais velho-avô/ancião) Nhãmãnrrúre Stxutér Kaiá Pury - Felismar Manoel (1939).
A língua Pury de Guiricema era falada nas aldeias rurais Pury da região, que Nhãmãnrrúre Stxutér conviveu: da Fazenda dos Gregórios (onde ele morava) em Cruzeiro, a do Valão ao Pé da Serra de Tuiuitinga, e na sede distrital de Tuiutinga (MG) até os anos 50 do século XX, empregando os recursos da língua portuguesa do Brasil na escrita.
Em Santos (2024) foi feito o primeiro registro sistemático da fonologia do Pury de Guiricema dentro da academia. Seu sistema fonológico e sua estrutura silábica foram identificados com a consultoria de Nhãmãnrrúre Stxutér, último falante fluente da língua, durante 3 anos. Diferente do que existia até então: a reconstituição da língua dentro do eixo da linguística histórica.
Os falares trazidos por Nhãmãnrrúre Stxutér foram registrados no livro: Falares e Fazeres do Povo Pury na Tradição da Comunidade Rural da Região de Guiricema (MG) (1957) em 2022, com mais de 1300 vocábulos, com diversidade de escrita e sentidos dos registros dos coletores/anotadores. Sua escrita foi pensada para representar os sons falados.
Essa modalidade nunca havia sido registrada ou analisada academicamente.
Nhãmãnrrúre Stxutér aprendeu a língua em casa, oralmente, e sua fala é rica em vocabulário, expressões idiomáticas e sonoridade e a transmite respeitando sua dimensão afetiva e simbólica.
Os aspectos morfossintáticos da língua Pury de Guiricema é um segundo passo em prol da ressurgência e revitalização da língua no projeto de doutorado e na criação de uma gramática.
O estudo do Pury (Purí) na atualidade
Em princípio, de 1996 até os dias atuais, pode-se dizer que existem três vertentes de estudo do falar Pury, sem escrita consolidada:
1º - usa as palavras encontradas em Torrezão (1889), as escreve e fala como tal (os mais antigos no uso) e/ou agregou o vocabulário compilado de Marcelo Lemos (2012-2014) no uso.
2º - trabalhou com os registros dos coletores compilado por Marcelo Lemos, alterando a escrita e criando som para as palavras.
3º - utiliza a língua Pury de Guiricema (MG); lê e escreve empregando os recursos da língua portuguesa do Brasil, segundo o som da fala utilizado pelos Pury daquela região no passado.
A ‘suposta’ extinção da língua e do Povo
A ‘suposta’ extinção de uma língua nem sempre está ligada ao ‘suposto’ desaparecimento dos seus falantes. A discriminação e a proibição de seu uso em detrimento da língua dominante, alimentando o mito do Estado monolíngue - política de hegemonia da língua portuguesa -, levam a entender, não a extinção, mas o silenciamento dos falantes.
A língua Pury não estava morta, mas silenciada por processos históricos de apagamento (epistemicídio).
O povo Pury nunca desapareceu: foi silenciado e, hoje, através da memória, da organização política e da língua em ressurgência, os Pury se reafirmam como parte viva da história e da diversidade brasileira.
Rrô pukíu!
(expressão idiomática: grito de afirmação étnica
[rrô = saudação/ pukíu = voz])
Ao povo Pury e a todos(as) que contribuem para a ressurgência, retomada e revitalização de línguas originárias:
Ténu-arrí!
(agradecida)
Tekuára-sú Panhiké
‘paz natural para nós’ (harmonia de todas as coisas)
O texto: “Ressurgência Pury (Purí) sob a perspectiva de uma Autodeclarada” reporta pontos do Capítulo 2– Sobre o Povo Pury da dissertação de mestrado (2024) da autora intitulada “Introdução à Análise Fonológica da Língua Pury na Modalidade de Guiricema (MG): por um trabalho de Memória e Ressurgência”, realizada sob a orientação da Profa Dra Tania Conceição Clemente de Souza.
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