Por Carmelita Lopes - Nãma Telikóg Pury
Peço licença para ultrapassar o universo Pury e falar de um universo maior: os povos guardiões da floresta, os protetores de biomas brasileiros.
Não é de hoje que lemos e ouvimos elogios no mundo aos povos guardiões da floresta, mas como uma contradição também lemos e ouvimos o sofrimento desses povos para manterem a floresta viva. É como se só eles precisassem da mata e dos rios para sobreviver, só eles tivessem compromisso em utilizar os recursos naturais sem destruí-los.
O que mais precisa acontecer para que haja entendimento que manter a floresta viva é compromisso de todos e todas, não só dos guardiões? Quando haverá entendimento de que a floresta viva desempenha um papel essencial na ação climática global e regional, e na luta contra a fome, a desnutrição e a pobreza?
Quando haverá entendimento que, se adoece a floresta, adoecemos todos e todas, se morre a floresta, morremos? Que o ser humano não é o centro do universo. Que se não houver equilíbrio uns com outros e em si mesmo, em cada unidade funcional, possibilitando o bem-viver dos biomas, estamos nos matando?
Que “a Terra é um ‘Solo Sagrado’, ‘um grande lar’ – meio ambiente -, onde as pessoas, os animais e as plantas são todos e todas parentes interligadas, interligados e integrados/integradas em conjuntos de sistemas" ? (Felismar Manoel - Nhãmanrúri Schuteh)
Muito distante da racionalidade, né? E se falássemos dos diretos humanos? Os de terceira dimensão, por exemplo, que tem como destinatário todo o gênero humano. Ficaria mais próximo? Ah, mas os direitos os difusos e coletivos, direitos dos povos, são marcados pela fraternidade, solidariedade e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, um compromisso da humanidade. Ainda fica muito distante do racional?
Difícil mesmo pensar em terceira dimensão quando ainda se está enraizado na primeira – o EU -, onde há a garantia à liberdade individual, aos direitos civis e políticos - “direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem” - onde o Estado é “como simples conservador dos direitos dos que já o possuíam, sem nada fazer pelos que não tinham qualquer direito a conservar”(1).
Então, não seria a hora de assumir o ônus da escolha? Pagar para garantir que eles mantenham o sistema que está sendo destruído por ação ou omissão de outros? Será que assim ficaria fácil de entender, quando afetasse o bolso?
Ou seria mais proveitoso para toda a humanidade recuperar os saberes tradicionais que foram transmitidos pelos ancestrais, originários desta Terra, que estão clamando por socorro e nos limitamos a ouvi-los sem escutá-los: “o entendimento do ser humano dentro da natureza, como ele mesmo sendo uma parte viva dela.” (Antônio Dutra Purí).
“Somos parte da terra e ela é parte de nós.
Fazer mal a ela significa fazer mal a nós mesmos”.
(Velho chefe indígena Seattle)
1. Elementos da Teoria Geral do Estado, SP, Saraiva, 3º ed., 1976.
Uma reflexão mais do que necessária! Eu diria que nossa existência depende dela!