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A Contagem do Tempo e os Festejos na Tradição Pury da Região da Fazenda dos Gregórios-MG

Atualizado: 5 de out. de 2020

por Felismar Manoel – Nhãmanrúri Schuteh¹


Ténu-ahi ao Ope-tahé, Chico Mariano (Puxina em seu nome pury, ou carinhosamente Xin), Guardião do Marcador do Tempo, ancestral e preceptor de Nhãmanrúri Schuteh (Córrego tranquilo/bonito), Felismar Manoel, nascido em 1939, integrante da terceira geração de nativos Puri da Região da Fazenda dos Gregórios – Cruzeiro - Guiricema, (Zona da Mata) MG, que compartilhou conosco seu aprendizado da infância nas histórias narrativas de sua memória afetiva.


Os Pury da Região da Fazenda dos Gregórios (Cruzeiro, Guiricema/MG), tinham um sistema de marcação do tempo baseado na observação dos ciclos da lua. Isto era feito pelo povo Pury da região já em período anterior ao ano de 1800, segundo ensinamentos do Ope-Antah, Txanin, seu nome pury. Observaram que cada lua tinha duração de sete dias e que elas se repetiam a cada ciclo de quatro luas num total de treze períodos lunares com vinte e oito dias cada período. A partir daí criaram um Marcador do Tempo, feito de cipó de forma de círculo com treze nós, que ficava na Casa do Tempo, uma Tapera especial. Naquele Marcador havia um disco, geralmente, de casco de tatu, casca de árvore, ou osso escápula, no qual faziam quatro furos, as quatro fases da lua e uma espiga de milho em forma de espanador, com as palhas para baixo e o sabugo contendo os grãos de milho para cima. Era colocado sobre ele em reverência a TUPÃ, criado por DOKÔRA para ser o senhor do tempo, dos ventos, da natureza, de todos os fenômenos atmosféricos, aquele que interfere na boa colheita.

Cada período anual iniciava na lua escondida (lua nova) e o ano começava nas cheias dos rios - enchente das goiabas (mês de março - equinócio do outono). Quando não aconteciam as enchentes dos rios na lua escondida (lua nova) – “mau agouro para as plantações” – a celebração do festival do ano novo acontecia na lua plena (lua cheia) do mesmo período. O novo ciclo para o plantio dava início ao "Ano Novo" Pury. Era uma festa na localidade quando os rios enchiam, na minha região, o Rio Bagres no município de Guiricema, vila Cruzeiro, distrito de Tuiuitinga - região da Zona da Mata Mineira. Festejávamos com a utilização dos frutos da goiabeira, alimentos e bebidas à base de goiaba. A alma Pury em festa, vieram as águas de março em Cruzeiro, salvo quando marcado pelas manifestações atmosféricas, como as enchentes dos rios e as tempestades que vêm do céu. Sempre, nas fases da lua escondida (lua nova), faziam as preces, e os festejos ocorriam sempre na lua plena (lua cheia).

Os Pury, nos festejos, usavam três tipos de instrumentos: a flauta feita de taquara (terara), ou bambu e os tambores, geralmente sustentados a altura da cintura; e as maracas, ou chocalhos. Suas danças, nas festas gerais, geralmente usavam os tambores (percussão). Nas danças de rodas, tambores e maracas. Nas festas religiosas e reuniões só de parentes, as maracas. A flauta, quando celebravam a alegria, na intimidade dos encontros.

Alegres lembranças de meu tempo infanto-juvenil em Cruzeiro de Guiricema, por ocasião das celebrações do "Ano Novo Pury", quando das enchentes do Rio dos Bagres; nos limites dos represamentos dos córregos (nhãmanrúri) havia as celebrações.

Todos os Pury de mãos dadas, se aproximavam e afastavam das margens do córrego e cantavam ... repetidamente: SCHUTEH BOTETÁ ANDÓ-ICÁME! (Bom começo de ano). IATÁ-OIÓN TECUARA-SU! ... (Tempo demorado em paz natural). Depois caminhavam até a região do represamento do rio cheio, e de mãos dadas, em rodas, agradeciam a DOKÓRA nosso criador e a TUPÃ nosso protetor: TENU-AHI DOKÓRA! TENU-AHI TUPÃ!

Outro festejo marcante acontecia na lua plena (lua cheia) de junho (solstício de inverno), era a Festa da Floração do Milho / Fertilidade – TÉNU-AHI (agradecimento pela fartura) com utilização das partes do milho e alimentos à base de milho verde. O pendão masculino solta pólen nas bonecas que estão apontando, fertilizam e geram o milho. Uma das cantigas cantada enquanto as crianças dançavam, era chamada TÉNU-AHI.

Elas cantavam as estrofes e os presentes respondiam o refrão:

Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! Veio o vento, veio a chuva. Foi Tupã quem nos mandou. Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! Purizada muito alegre, o milho na terra plantou. Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! Veio a chuva, veio o sol. O milharal germinou. Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! O milharal floresceu e colorido ficou. Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! Vermelho, rosa, amarelo, verde, branco e roxeou. Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! As espigas encorparam e o grão do milho engordou. Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! Vai ter fartura purizada. O paiol locupletou. Carregou! Carregou! Mãe Natureza Carregou! TÉNU-AHI ó bom Tupã. Vamos comer e dançar. TÉNU-AHI, TÉNU-AHI.

Na lua plena (lua cheia) de julho, tínhamos a Festa das Bananas, ou das Bananeiras, Nesses dias, os pury de nossa região mineira celebram as plantações de bananeiras, limpando os moitas de bananeiras, cantam e dançam em suas mediações, fazem rezas para TUPÃ e seus espíritos guardiões, a coleta de bananas saindo depois para os terreiros das fazendas, completar os festejos em comum com os quitutes feitos de bananas (banana assada, frita, doces, farofas de banana com torresmos, bebidas feitas de bananas e concluem os festejos com o armazenamento das folhas e palhas das bananeiras que foram coletadas e que serviriam de utilitárias na vida das comunidades (construção de divisórias e forros nas residências, acolchoamento de catres para a dormida, revestimento de utensílios domésticos, agasalhos entre outros).

Encerrava as festas com a dança dos caboclos no mastro dos caboclinhos na Praça, sendo a trançagem das fitas no mastro feita pelas crianças. Os adultos dialogavam com as crianças nos cânticos, uns cantavam os versos e os outros respondiam. Durante todo esse tempo os índios faziam as homenagens a Tupã, considerado a divindade regente do tempo e aos espíritos guardiões das bananeiras.

Era um evento que ocorria entre os índios pury e o povo italiano da região da Vila Cruzeiro dos Gregórios, onde havia várias fazendas de italianos - para citar algumas, seguindo o fluxo do Rio dos Bagres, a partir da sede urbana do Município de Guiricema, a Fazenda dos Gansos, a Fazenda do Zé Manoel, a Fazenda dos Toledo, a Fazenda do Felicinho (onde nasci), a Fazenda do Mário, a Fazenda do Giulini (meus noni) a Fazenda Felício da Silva (onde fui professor dos filhos dos nativos e italianos).

Nessa festa há sempre um manifesto explicito dos indígenas contra o habito de algumas brancas de enfiarem a lâmina de faca na bananeira (à meia noite) para descobrir com quem vai casar (esse costume é desaprovado pelos índios, pois molestam as bananeiras e danificam a sua utilização para obtenção das cascas que quando secas serão utilizadas na vida dos indígenas).

Tínhamos ainda a Festa da Mocidade (primavera), quando ocorriam as atividades esportivas - atividades esportivas. e o período de recolhimento em dezembro (solstício de verão) quando se recolhiam.

Na minha região, a segunda geração Pury foi trabalhada pelos padres e colonizadores, para considerarem a Cultura Pury como inferior e se envergonharem dela; eu sou da terceira geração Pury, e cheguei a ser perseguido pelas minhas preferências a cultura dos mais velhos. Convivi com os de segunda geração e muito raramente com alguns de primeira geração Pury, especialmente convivi com uma pequena família que não se aculturou e vivia na mata do boqueirão chamada "Ninho dos Urubus" próximo à fazenda de meu pai, onde eu frequentava em busca de aprendizado Pury. Era uma floresta surgida em um grande boqueirão produzido pela erosão feita pelas enxurradas das águas de chuvas no terreno de descida da montanha sagrada; como era inservível para o plantio, foi cedida amigavelmente para a família do Ope-antah, Txanin Pury (de primeira geração pury) que não se adaptara à convivência com a cultura dos brancos.

Quando adulto, assumi a regência de uma escola municipal (1957) (predominava alunos descendentes Pury e italianos). Nessa convivência, nunca ouvi falar de nossas origens, se limitavam a dizer que somos filhos da terra, especialmente filhos das matas, das florestas, sendo as duas, terra e florestas, chamadas de mãe nos falares do dia a dia, daí ter desenvolvido estratégias de resgatar junto às crianças vocabulário dos falares pury da região.

Em nosso aldeamento de Cruzeiro dos Gregórios, quando se usava a língua Pury para manifestar gratidão usando TÉNU-AHI se respondia AH KATU, ou GA KATÚ, e quando se queria manifestar êxito, ou boa sorte e em algumas situações se dizia: HÁ! GUIMBA ZIMBO POTEH KANDU! Salve! Desejo que seu zimbo (algodão queimado com a pedra e o ferro) acenda o seu fogo, pois era trabalhoso acender o fogo na época (não existia nem fósforo, nem isqueiro, só se acendia com guimba zimbo).

Por isso desejava-se boa sorte nessa tarefa. Uma vez acendido pela manhã nos fogões à lenha, era mantido durante todo o dia. O fogão com a lenha ficava debaixo da tapera fora da goára, a casa de moradia da família. Por ilação desse costume surgiu a expressão como desejo de boa sorte. Essa expressão era às vezes simultânea a gestos de mãos de elevando. Eram usados também para saudar várias pessoas em grupos.

Como diziam meus parentes para desejar êxito: "que a GUIMBA-ZIMBO FUNCIONE E ACENDA O FOGO. (GUIMBA-ZIMBO e um instrumento usado pelos nativos para acender FOGO. Usa um pedaço de metal batido em una pedra que projeta faísca que acende o algodão queimado). Que DOKÓRA abençoe a todos e TUPÃ nos proteja. HA! GUIMBA-ZIMBO POTEH KANDU! Boa sorte a todos!


1 Felismar Manoel é Doutor em Ciências da Religião, pelo Seminário Santo André, SETESA, RJ, Mestre em Ciência da motricidade humana, pela UCB, RJ, Especialista em Docência Superior pela IBM, RJ, e em Psicanálise Clínica com supervisão didática, pela SFPC, RJ, Especialista em Psicomotricidade Sistêmica com Formação Didática pelo CEC RJ, Bacharel em Fisioterapia pelo IBMR, RJ, em Filosofia pelo SETESA, RJ, e em Teologia pela SETESA. Cidadão Honorário da Cidade do Rio de Janeiro.

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