Nhãmãrrúre Stxutér Pury (Felismar Manoel)
O Parto Pury nos aldeamentos de Fazenda dos Gregórios (MG) e outros das proximidades.
Li em relatos antigos do século XIX que no parto das índias pury, elas se embrenhavam sozinhas pela mata para ter seus filhos. Eu não creio que isso seja verdadeiro, pelo modo discreto sim, mas muito bem mais elaborado, como era em nosso aldeamento da Fazenda dos Gregórios e em outros aldeamentos, como em Tuiuitinga e no Valão (Pé da Serra de Tuiuitinga) nas regiões da Fazenda Felício da Silva.
O mesmo critério era observado nas aldeias do Sapé, em Guidoval e de Manhuaçu, conforme relatavam seu povo em nossos encontros. É claro que, na medida que foi havendo os desmatamentos e a vida pury foi se tornando mais doméstica na convivência com os outros povos, consequência dos costumes trazidos pelos invasores, também houve mudanças nesses cuidados com os partos, inclusive surgindo o serviço prestados pelas mulheres pury como parteiras (môopê-inhã), para a comunidade de um modo geral.
Era assim: As môtintinhã (avós) da comunidade, bem antes da fase da petára (lua) prevista para o nascimento (previa-se pela contagem das luas e suas fases), embrenhavam pela floresta a procura de um local adequado (que ofereça certa segurança); nesse local elas construíam um koára – o mesmo que koarí – (abrigo de uma queda d’água que parte de dois apoios e vai inclinado até o chão); nesse koára elas preparavam um forro do chão com folhas apropriadas, e voltando para a comunidade, escolhia de modo muito discreto um opê-tarré, que se encarregava de fazer a segurança da área durante o trabalho de parto. Essas atividades eram desempenhadas pelas môtintinhã, às quais formavam uma verdadeira confraria discreta e séria, geralmente do conhecimento e aprovação dos môopê-antár (os avôs sociais orientadores da vida das comunidades).
Chegada à fase petára prevista para o nascimento, a inhã-tei (mãe parideira) entrava sozinha pela mata à dentro e ia para o abrigo que foi preparado para ela, estando lá esperando as môtintinhã que foram antes discretamente para aguardar a hora do nascimento (parto ou tei), e com elas as ervas apropriadas (ajudar na coragem, força e satisfação) para assistir o trabalho do parto. O opê-tarré fazia a ronda para a segurança do grupo de mulheres envolvidas. Nas matas onde havia animais predadores, além do opê-tarré havia os môtekondô (guardiões) que cuidavam da proteção contra-ataques de animais.
Quando nascia o ambi-hereumã (neonato, menino ou menina), as môtintinhã ajudavam nos cuidados aconselhados para a ocasião, como higiene, proteção e alimentação; quando a inhã-tei recuperava a sua condição de boemã-metlón (mulher forte), as môtintinhã vinham antecipadamente para esperá-las na entrada da palhoça (casa de habitação coletiva) para receber a inhã e seu sámbi-hereumã, que era então conhecido pelo coletivo dos parentes. Na primeira fase lunar apropriada, após nascer, a criança era então presentada à lua alegre e recebia seu primeiro nome, dado pela mãe, o qual usará até sua entrada no mundo dos adultos.
Mais tarde, quando já orõmatê (criança em fase de aprendizado – a partir de cerca de três anos), começava o aprendizado com o opê-tarré.
Por esta razão não creio na veracidade das informações daqueles relatos do século XIX, sobre esta questão, tão bem elaborada em outros aldeamentos pury, acreditando tratar apenas de uma percepção exo-étnica de estranhos, para uma questão reservada da intimidade da vida das mulheres.
O parto pury sofreu mudanças e transformações nas comunidades de povo pury, na medida que as môtitinhã (avós) se tornaram parteiras (opê-inhã), prestando serviços à população em geral. Muito raramente havia habitação coletiva, e quando assim eram, surgiram a proteção da intimidade, usando as divisórias feitas de esteiras de bambu e outros materiais. como biombos (umbó). Surgiu a observância do acompanhamento da gestação para um bom parto, o cuidado com o parto em si, em ambientes domésticos e os quarenta dias de resguardo pós-parto, cuidando do bem-estar da mãe e seu filhote (inhã-tei). Houve um certo nivelamento do costumeiro para os partos, envolvendo as mulheres de qualquer etnia, pois a medicina local conhecida era a ministrada pelos indígenas. Ténu-arrí!
(*) – 1ª Publicação em 02/08/2019 2ª Publicação com acréscimos em 18/06/2023.
Parabéns lindo texto. Informação assim é que Vale a pena disseminar.
Relato muito bacana!
Eu e todos os meus irmãos nascemos por mãos de parteiras no distrito resendense chamado Fumaça.
Em minhas entrevistas com idosos, falando com D. Carminha, filha de Maria Parteira, ela me disse que as índias Pury da nossa região, tinham seus filhos sozinhas na beira do rio.
Quando me falou disso a primeira vez, ou ela falou mesmo, ou eu deduzi que essa informação foi lhe dada por sua mãe. Mas quando fui gravar uma entrevista com ela para registrar essa história fantástica, ela me disse que foi sua falecida sogra que lhe falou sobre isso.
Gostei tanto dessa história que encomendei uma animação dela ao meu filho. Essa animação pode ser vista no meu documentário com…