Por Way Puri – Matheus Santana Cardoso Gouvêa¹
Essa semana trazemos uma entrevista concedida pelo multiartista, um dos principais responsáveis pelo movimento de retomada da cultura e da ancestralidade Puri e precursor do movimento indígena Puri na cidade do Rio de Janeiro, Dauá. De forma remota o entrevistado contou um pouco sobre si, sua luta e o trabalho que veio desenvolvendo no intuito de fortalecer nosso povo.
CMPP: Olá, Daua! Antes de mais nada, gostaríamos de agradecer a sua prontidão em conceder essa entrevista e pelo apoio que vêm prestando ao Centro de Memória de distintas maneiras. Dauá, antes de mais nada, você poderia falar pra gente um pouco sobre você?
Dauá: Bem, eu sou Dauá Silva da etnia Puri, do Rio de Janeiro, comecei minha caminhada desde pequeno. Na escola, com 8 anos de idade, os meus colegas perguntavam por que o meu nome era Dauá e eu dizia que era um nome indígena. Depois, na juventude, fui escrever peças de teatro, escrever poesia, cantei em conjunto, trabalhei em emissoras de rádio do Rio de Janeiro, fiz um filme curta metragem, “Primeiro Tempo”. A primeira peça que escrevi foi “Jovens, os Vícios e suas Consequências”, depois, estudei jornalismo, técnico em jornalismo, e comecei a escrever alguns textos. Publiquei o primeiro trabalho, um livreto com base em literatura de cordel - Chagas abertas da América - em parceria com a doutora Lady Herrera, da Universidade Central da Venezuela (UCV) e publiquei meu primeiro trabalho com contos indígenas, “Histórias boas de contar”. Logo depois desse período, ingressei no Movimento Indígena através de Niara do Sol, conheci Carlos Tukano e vários outros indígenas e fui morar na Aldeia Maracanã, onde iniciei o trabalho de pesquisa sobre o nosso povo, o povo Puri. Daí então, fui para Araponga entrevistar Jurandir e Seu Neném e a partir daí até os dias de hoje esse trabalho de pesquisa continua. Foi aí que publiquei o primeiro trabalho bilíngue puri-português, com poesias, contos e músicas. Então sou contador de histórias, jornalista, músico, escritor, animador e gosto muito de trabalhar as artes cênicas. Venho atuando no Movimento Indígena do Rio de Janeiro, participei da criação do grupo GEIPÓ, na Universidade Federal de Viçosa e também participando do projeto Troca de Saberes da UFV, fazendo o ajuntamento dos parentes nos Encontros anuais do Povo Puri. Aqui no Rio de Janeiro criamos o CRCPI (Centro de Cultura Indígena da Aldeia Maracanã), criamos também a Aldeia Jacutinga, participei desse trabalho lá em Duque de Caxias. Logo depois criamos a Associação Indígena Aldeia Maracanã (AIAM), onde participei das primeiras reuniões e até hoje continuo como membro. Sou membro do Conselho Indígena do Estado do Rio de Janeiro, participei também da comissão organizadora da primeira exposição, de inauguração, do museu do ginásio São José, em Ubá, onde nós temos um espaço Puri. Participei ativamente, tanto pela associação indígena aldeia Maracanã como pelo Coletivo Puri, da elaboração da primeira exposição de arte indígena do Rio de Janeiro, de indígenas vivos, no Museu de Arte do Rio (MAR) em 2017 e essa exposição ficou durante um ano em cartaz. Lá tivemos oportunidade de estar trabalhando para organizar o material para essa exposição, com a feitura, inclusive, de um CD de músicas Puri, o primeiro CD dessa natureza. Organizamos também, para a exposição do MAR, um material de filmagem, onde fomos entrevistados e deixamos a nossa marca e narrativa, e participei da abertura da exposição trazendo a voz Puri para este grande encontro que marcou a nossa cultura do Rio de Janeiro.
CMPP: Você falou do seu trabalho com literatura, Dauá. Uma de suas publicações, “Tempo de Escuta”, está presente no acervo do CMPP. Você pode falar um pouco sobre o processo de criação dessa obra?
Dauá: Bem, assim que comecei a desenvolver o trabalho de pesquisa lá em Araponga, eu ia e voltava todo mês e sempre vinham textos em língua Puri, músicas também, e foi aí que produzi meus primeiros livretinhos de xerox que se chamavam “Kanaremundê Puky” ou “Boasé Puky”² e a partir daí comecei a levar para os demais essa ideia com o trabalho de xerox. Bem, nós vamos chegar no “Tempo de Escuta”, na “Coletânea Semear”, a partir do trabalho que nós fazemos lá no Parque Lage através da Associação Indígena Aldeia Maracanã, onde Zélia Puri fez uma proposta ao secretário de Estado da época de criar uma coletânea com livretos em língua Puri, com histórias em língua Puri. Nós já vínhamos há muito tempo amadurecendo essa ideia, enfrentando as dificuldades diárias de produção, de divulgação... mas esse trabalho foi coordenado pela Zélia, reunindo material com histórias, com poesias, cantos, músicas etc. São oito livretos muito diferenciados e o que me motivou foi justamente dar visibilidade a essa produção do nosso povo Puri e trabalhar uma questão que é criar material didático para as escolas e para as crianças.
CMPP: Estamos hoje no dia em que nacionalmente comemoramos o Dia das Crianças. Você poderia falar um pouco sobre esse seu trabalho com a criançada?
Dauá: Bem, a minha experiência com as crianças, nas escolas, levando os cantos, as músicas, é muito interessante. Nós trazemos uma linguagem bem simples, trazendo os cantos, a musicalidade, a possibilidade de criarmos instrumentos... então, em cada momento que eu falo uma palavra em Puri, as crianças acham muito interessante. Fico muito feliz quando retorno ao lugar e as crianças dizem “Schutê!”, “Schutê, Dauá, schutê!”³... é muito gratificante. Nós levamos as histórias do sapinho, do grilo e outras histórias mais... do beija-flor... enfim! A qualidade do nosso trabalho está ligada à nossa ancestralidade, à nossa forma de ser, ao nosso jeito simples de ser e é bem alegre. Fico muito feliz quando tô no meio da criançada, que tem alguns momentos que a gente fica pensando que é um momento tão difícil que as crianças estão vivendo dentro dos apartamentos. Quando nós levamos as nossas histórias, elas se acalmam, relaxam... e, na realidade, o nosso objetivo é que eles possam imaginar que estão numa floresta, cantando, tocando, tomando banho de rio e aproveitando o que de melhor a vida tem pra nos dar.
CMPP: Gratidão, Dauá, por essa conversa sempre tão amiga e encantadora. Schutê, Dauá, Schutê!
¹Way Puri é bacharel em teatro (UFSJ), licenciando em artes visuais e mestre em artes cênicas pela UNIRIO, com pesquisa em poéticas indígenas. É diretor do Coletivo Boca D'Onça e membro fundador do Coletivo Curador do CMPP, onde é guardião da semente Cultura e Tradição e do Blog do CMPP. Artista-pesquisador e arte-educador, Way atua como professor na rede pública de Minas Gerais e é pesquisador no Laroyê: terreiro de pesquisa com artes, corpos, culturas e linguagens decoloniais (PPGACL/UFJF). ²Enquanto Kanaremundê tem sentido de canto ritual na língua Puri, Boasé significa palavra.
³A palavra Schutê é traduzida como bom ou bem e é contemporaneamente usada acrescida de Opêh (dia), Toschá (tarde) e Miripon (noite) nas saudações.
Gostei da publicado ah tlamatli