Daniel Oliveira - Kemiumô Txaé Pury
Lembro que desde o começo do meu processo de autorreconhecimento como membro do povo Pury, não apenas descendente de um povo presente em histórias do passado, um termo novo que nunca havia ouvido começou a aparecer em várias leituras minhas, um termo que pra minha surpresa se referia ao local que cresci e minha família sempre viveu, o termo era “Serra dos Arrepiados” e sempre apresentado como um termo mais correto para a região do que hoje é chamado como Serra do Brigadeiro, por se tratar de um termo que faz referência ao povo originário da região, mas para discutir essas relações de nomenclatura e mostrar um pouco da visão de quem nasceu no local é necessário contar um pouco da história por traz dos dois nomes.
O nome Serra dos Arrepiados foi o primeiro nome dado à região, foi dado por bandeirantes que passavam pela região, foi um nome que fez referência ao longo da história principalmente à região que hoje é Araponga, o nome foi dado em referência ao povo Pury e a observação de que seus cabelos ficavam eriçados devido ao frio que faz na região ou a forma como eles amarravam o cabelo, havendo fontes contando as duas versões. Já o nome Serra do Brigadeiro é em referência ao Brigadeiro Bacelar, um militar que veio a mando do governo provincial nas primeiras décadas do século XIX auxiliar no desbravamento da região.
Apesar de esses dois nomes ser em divulgados como nomenclaturas para a região, praticamente ninguém com menos instrução da região reconhece esses nomes, lembro bem de quando por volta de 2007 a rodovia que corta meu município (Ervália-MG) foi toda sinalizada com placas novas e uma novidade foi a instalação de uma grande placa marrom escrita “Circuito Turístico Serra do Brigadeiro” e muitas pessoas se perguntavam onde ficava e que nome era esse, inclusive com piadas porque o único brigadeiro conhecido por aqui era o doce, até hoje só reconhece a região por esse nome as pessoas com mais instrução ou que participaram das mobilizações durante a criação do parque, nunca se tornando um nome natural, sempre parecendo algo que veio de fora mas que acabou pegando com pessoas de fora, porque no entendimento tradicional local, não existe a noção do porque se referir a região como algo grande e único e esse nome contemplou a necessidade atual ao conversar com alguém de fora de dar um nome ao todo.
No entendimento local, cada afloramento rochoso, montanha ou outros tipos de elevações geográficas bruscas se trata de uma serra, existindo os nomes: Serra da Ventania, Serra dos Godinhos, Serra do Tabuleiro, Serra das Aranhas, Serra da Grama, Serra dos Anteros, Serra do Serrote, Serra da Água Santa, Serra de São Domingos, dentre outros nomes que provavelmente existem ao longo dos mais de quarenta quilômetros de extensão dessa formação geológica. Acredito que essa porção de nomes sempre foi útil nas comunicações entre os moradores devido à necessidade de especificar o local já que praticamente todo mundo se comunicava mais com outras pessoas que também moravam na Serra, não fazia sentido se referir a uma localidade tão grande, de difícil circulação de pessoas internamente e externamente, que não era parte de um mesmo município e todos entendiam como um lugar comum de onde todo mundo era.
A problemática do nome Serra do Brigadeiro é devido ao fato de fazer referência a uma pessoa que contribuiu com a colonização da região, evento que causou degradação ambiental e os graves problemas enfrentados pelo povo pury da região ao longo dos séculos, aí vem a proposta de retomar “Serra dos Arrepiados” por fazer referência ao povo Pury, mas também vem o questionamento, este nome também foi dado por colonizadores e ainda faz uma referência pejorativa ao povo, há pouquíssimos contextos onde arrepiado tem significado positivo. Seria esse um nome adequado? Sem falar que esse nome carrega forte associação apenas a Araponga, não contemplando a região como um todo. Nessas questões eu sempre preferi o entendimento dos mais velhos de algo heterogêneo, múltiplo e a expressão “Lá prus lados da Serra ali em cima” como sinônimo de casa.
Não tenho por intenção com esse texto “proibir” algum nome tampouco criticar sem sugerir uma solução, eu mesmo continuarei chamando a região em conversas com pessoas de fora como Serra do Brigadeiro, um nome muito difundido e o mais fácil de uma pessoa externa reconhecer, mas apenas levantar a questão das relações de poder nas nomeações geográficas e mostrar o entendimento geográfico dos habitantes da região que quase sempre é ignorado.
Cabe uma campanha para mudança do nome. Ao longo da história os acidentes geográficos mudaram de nome e os nomes estão sempre em disputa e representam também visões de mundo.