Kemiumô Txaé Pury – Daniel Oliveira
Muito é comentado da relação dos povos indígenas com o meio ambiente, no entanto é raro ver algo de forma mais profunda tratando das especificidades de cada povo e comunidade, fugindo dos estereótipos que criam uma aura quase folclórica dessa relação.
O Pury como registrado no passado por cronistas e por meio dos diversos relatos modernos das comunidades contemporâneas possui uma relação muito especial e particular com a natureza, começando pelos relatos do passado. Um que chama muita atenção é o registrado por Freireyss no início da década de 1810 em que ele observou que os Pury tinham o cuidado de não consumir a própria caça, com o caçador trocando o animal que abateu com outra pessoa da comunidade que também conseguiu algum alimento por acreditarem que faz mal consumir a carne do animal que você mesmo abateu, mostrando uma relação de respeito tão grande com a vida animal, indicando uma relação pouco predatória com a vida selvagem, hábito interrompido com o tempo devido à entrada de outras filosofias religiosas e os múltiplos episódios de fome causados pela colonização.
Outro ponto importante e muito forte na etnia Pury observado no passado é a escassez de arte plumária elaborada, isto quando ela era presente, são poucos os relatos e representações de objetos deste tipo de arte presente nos registros, além de que ainda não observei em museus nenhum material desse tipo, que se fossem comuns com certeza haveria nos múltiplos espaços que possuem elementos do povo. Essa escassez e os relatos de vários mais velhos trazem a questão de que para o Pury não faz sentido matar uma ave apenas para coletar suas penas, tendo o Pury nessa parte a sua própria interpretação do sagrado inerente ás aves, o que é visto na arte ancestral de produção dos pios e na relação especial com várias espécies como o João-de-barro, João-peneném dentre muitas outras que são vistas como um grande privilégio ter um ninho perto de casa.
Dos relatos mais modernos podemos comentar da relação muito próxima do povo com a agroecologia e a criação de verdadeiras matas produtivas ao redor de suas casas e comunidades, sendo inclusive, indicado como um traço cultural por múltiplas comunidades, e algo que as legitimam como indígenas ou herdeiras de uma herança cultural indígena.
Também vale citar os ricos relatos do Opê-tarré Nhãmanrúri Schuteh Pury - Felismar Manoel sobre o entendimento de sua comunidade sobre a “Tekuára-Sú” a filosofia desta comunidade que explica a harmonia da natureza. Existem muitos outros relatos ainda não registrados, mantidos principalmente como memórias familiares e alguns trabalhos revisando tudo que se conhece até o momento, que valem a pena serem lidos e entendidos para evitar nós mesmos ajudarmos na manutenção de estereótipos.
Parabéns pelo registro...acho que finalmente encontrei o povo de onde meus Ancestrais vieram. Gratidão.