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Os Pury contemporâneos e a Busca Espiritual

Antônio Dutra - Tindaíuô Kongré Pury



Um dos eventos indeléveis da História Pury foi o avanço da cafeicultura sobre a Zona Mata mineira, que por volta de 1850 significou a derrubada das florestas, com a conversão das áreas em grandes propriedades, decorrendo a espoliação daquela população original, transmutada em massa de trabalhadores rurais, em situação fragilizada. Foi assim, que aos poucos a identidade Pury precisou esconder-se, diluir-se nas palavras e práticas quotidianas.

Conscientemente ou não, ser Pury era ser sobrevivente. No entanto, estes trabalhadores rurais guardavam em si o conhecimento das ervas, das práticas, das rezas, de uma sabedoria muito grande para caber em uma narrativa que – até recentemente – privilegiava a Formação do Estado brasileiro com o predomínio do elemento luso-brasileiro para contar sobre o passado.

Foi nesse ruminar de ideias, no discreto silêncio das comunidades que os Pury do século XXI herdam lembranças de costumes, vestígios do idioma e abraçam diferentes vertentes religiosas.

Do ponto de vista da formação de crença, os Pury seguiram as transformações a que se assistiu na sociedade brasileira. Certamente, até um período recente, o catolicismo popular mais ruralizado pareceu dar direção à busca espiritual desses indígenas que a partir dos surgimentos das grandes metrópoles urbanas estiveram suscetíveis a novas formas de expressar esse élan, em busca das grandes respostas fundamentais para a existência humana... Isso ajuda a entender como é possível encontrar pessoas Pury que abraçam o catolicismo ecumênico não romano, como o religioso e o mais velho entre nós (e autoridade na rememoração da língua Pury de Guiricema) Felismar Manoel.

Seu Felismar – como nos referimos carinhosamente – recorda-se das explicações que remontavam a gerações anteriores onde os Pury daquela localidade acreditavam na existência de Dokora e Tupã (quem sabe esse Tupã não representasse a tentativa dos religiosos católicos em acomodar a figura de Jesus à cosmogonia Pury, pelos idos do século XVIII? Não sabemos...).

Há indígenas Pury evangélicos, não religiosos, católicos, praticantes do Ifá, partícipes de cultos afro-brasileiros, e até budistas... O peso da história não pode ser apagado, os Pury de hoje têm os rostos, as crenças e vivem onde o tempo, as circunstâncias e suas lutas lhes permitiram sobreviver.

Por mais que visto de fora essa multiplicidade represente algo difícil de encontrar um denominador comum, entretanto, ela esconde tal a concha que guarda a pedra irregular e de valor, o ponto discreto que os une.

Com a emergência do mundo virtual, esses Pury puderam conectar suas histórias, e reconhecer a coerência inaudita entre pessoas que – em maioria – nunca tinham se visto. Foi desse espanto que a espiritualidade Pury tem se expressado no esforço de alcançar os ancestrais, identificar seus traços, costumes, expressões. Para um Pury conhecer o passado não é curiosidade intelectual, mas uma conexão possível com tudo aquilo que formou o mundo de seus antepassados. Quanto mais investigamos, mais próximos estamos; ainda que haja lacunas e muita coisa por entender.

O segundo ponto dessa espiritualidade é justamente não simular as experiências dos que nos formaram, antes, o esforço é dar vigor a essa identidade, fazê-la presente, recontá-la publicamente. Cada Pury é uma aldeia. Um pury de hoje é também todos os que vieram antes dele. Essa certeza ninguém retira.

Por fim, tendo consciência do apagamento a que se quis impor a identidade do povo, fazer esses movimentos representa uma declaração de que ainda que tenham querido construir uma narrativa de pais sem estes indígenas, nós dizemos que fomos mais fortes; não poderiam... Não nos derrotaram, estamos aqui.

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