Os curadores (opê-ndonde) e os tratadores (txarré-ndonde) Pury da Região da Fazenda dos Gregórios, Distrito de Tuiuitinga, Vila Cruzeiro dos Gregórios, Município de Guiricema/MG
Felismar Manoel / Nhãmanrúri Schuteh
Ensinavam os mais velhos de nossa aldeia rural, que em torno de 1903, houve o terceiro encontro de lideranças Pury, de Guiricema (Rio Branco), Ubá, Guidoval, Rio Pombos e outros, não sabendo se o encontro foi entre povo goianá (pessoa em quem se pode confiar), ou em Goianá (localidade). Esse encontro decidiu estratégias para enfrentamentos das dificuldades de sobrevivência da etnia, ficando aprovado que deveriam enviar às escolas dos brancos, os jovens mais audazes e de bom tirocínio, para adquirir expertises e que pudessem aplicá-las em favor da etnia Pury em seus locais de trabalhos.
O decidido era que se organizassem aldeias rurais mais abertas para acolher comunidades de famílias Puri, organizando-os com base nos conselhos dos mais velhos, instruções das inhãs (mães) e dos opê-tarré (preceptores), os cuidados de saúde dos opê-ndonde (curador que cuida da saúde em geral), os txarré-ndonde (tratador que é especialista) e a liderança central de um opê-antár (ancião) - não havia cacique; que cada aldeia procurasse se desenvolver em uma atividade especial que pudesse liderar na sua região, influenciando a convivência local.
A meu ver erraram por omissão em duas coisas: não pensaram em propriedade das terras, nem em estratégias especiais para que as novas gerações continuassem pensando como Pury, através de seus falares e fazeres, mesmo diante de circunstâncias adversas. Assim, decidiram pelas expertises da Etnomedicina Pury em minha aldeia rural (Fazenda dos Gregórios), pelas experiências com a agricultura (aldeia rural do Pé da Serra de Tuiuitinga), pelo adestramento específico para enfrentamento de diálogos com as expertises dos brancos (aldeia rural de Tuiuitinga) e pelo desenvolvimento do artesanato e produção de artefatos de utilidades pury (na aldeia rural de Guidoval).
Nasci em 1939, a 18 de abril, em aldeia rural próxima à vila Cruzeiro e fui iluminado pela luz do azeite até ser apresentado à petara takoiakón (lua alegre, cheia), sendo instruído por minha inhã Maria Soares e por meu opê-tarré Xico Mariano, até meus seis ou sete anos (conforme costumes pury). A partir daí, passei a receber aprendizado e treinamento através de nosso opê-antár Txina Pury, sendo treinado em nossa medicina pury, para ser um opê-ndonde.
A partir de 1947, tudo ficou mais difícil, porque houve proibição de usar as línguas indígenas por parte das autoridades, para unificar e fortalecer o uso da língua portuguesa. Mesmo assim, continuei meus treinamentos até 1951, só terminando com a morte de nosso opê-antar nesse ano. Em 1947 comecei também a frequentar a escola dos brancos, me preparando para a aquisição de expertise especial comum dos brancos, decidindo eu ser padre e professor, para poder estar mais presente junto a população, buscando a formação dos frades franciscanos. Rompi com eles em 1957, por não aceitar compartilhar as várias ideologias de afirmação a favor da igreja de Roma. Transferi-me para uma instituição religiosa cristã, que se dedica a união entre cristãos e se esforça pela convivência em uma fraternidade universal junto às pessoas do mundo, estando até os dias atuais atuando nessas funções.
Em 1957 eu assumi uma escola municipal na comunidade do Pé da Serra de Tuiuitinga (em Guiricema), objetivando atuar junto à população local, mas infelizmente não foi possível lá continuar, pois o salário não dava para sustentar a família, o que me levou a vir para o Rio de Janeiro, aqui montando minhas atividades junto às comunidades carentes na Área do Grande Rio, o que me levou a buscar, ao lado das lideranças religiosas e pastorais (onde eu tinha bacharelados de filosofia e teologia, com doutorado em filosofia da religião), novas expertises na área da saúde, fazendo formação em saúde, bacharelado em fisioterapia e mestrado em motricidade humana, com especializações em magistério superior em saúde, psicanálise clínica e psicomotricidade clínicas, atuando na região da Baixada Fluminense, como professor universitário e terapeuta junto às comunidades de baixo poder aquisitivo nos últimos 61 anos.
Algumas fotos com apetrechos que são usados pelos opê-ndonde da medicina pury, na assistência às comunidades nas aldeias rurais pury:
Nota do autor: a palavras em Puri, estão escritas conforme pronunciávamos.
se o senhor puder reparar no meu peito levo um copo destes que o senhor fala de bambu, só que usava para carregar material de pesca e rape.
No rio pomba eu conheci um Puri de mais idade , ele me falou que fazia rapé e meu avô tambem fazia de arruda. o senhor sabe se tem alguma palavra Puri para rape? gratidao.