Sonhei que visitava a casa de dois anciões indígenas que moravam na cidade de pedra.
Quando cheguei na humilde casa, eles já idosos e com dificuldade para andar, me levaram para ver o motivo do qual fazia questão de permanecerem vivos.
Eles me levaram até um pequeno cômodo e me mostrou um livro. Quando abri a página do livro, me surpreendi com um pequeno indiozinho, com fisionomia desfigurada. Ele tinha os dentes trepados, orelhas grandes e espichadas, corpo meio arredondado, braços finos e compridos, e pernas curtas.
Fiquei horrorizada com o que vi, e quis fechar o livro, mas der repente o livro começou a ter vida própria e o indiozinho me chamou a atenção com uma lágrima de sangue que saia dos seus esbugalhados olhos, mas tinha também em seu olhar, uma doçura que jamais presenciei.
Ele me contou de um feitiço que sua aldeia sofrera enquanto lutava por preservar a natureza e a cultura do seu povo.
Esta feitiçaria fora feita por homens muito mal e covardes, homens gananciosos e sem coração, que matavam por causa de terras e dizimavam aldeias inteiras a procura de minérios e haviam desmatado todas as florestas onde viviam, chacinavam famílias inteiras, ou escravizavam e violentavam mulheres indígenas, vendiam crianças e matavam os nossos guerreiros. Toda a floresta onde vivíamos fora contaminada, construíram fazendas, gados, monocultura, agrotóxicos e outros venenos ambientais.
E ele continuou dizendo...
-Os animais estão desparecendo, os insetos morrendo. Toda a vida do planeta corre risco de desaparecer. Então vem o desiquilíbrio ambiental, as doenças e pragas. A água está secando, nosso planeta está doente. Este encanto só será quebrado se uma guerreira indígena me amar de todo coração e alma, me dar um beijo de amor e paixão.
O Indiozinho então, me pediu este beijo, eu confesso que senti náuseas ao olhar aquele indiozinho, mas compadecida, eu fechei os olhos, fiz um bico, e deixei que ele me beijasse. Então ele ficou grudado nos meus lábios, e eu quase sem conseguir respirar, o empurrei com força, e ele caiu sentado dentro do livro. Depois de alguns minutos, ele levantou com calma, se olhou, e percebeu que o encanto não fora quebrado, e muito triste me olhou, eu também o olhei. Me entristeci por não conseguir quebrar o seu feitiço.
Me despedi. E..., quando já ia deixando o pequeno cômodo, da minha mão começou a sair virtudes, minha mão brilhava como ouro, e dela saia raios como o do sol, então eu voltei, parei em frente o livro, o abri novamente na página onde se encontrava o indiozinho. Estiquei meus dedos na direção do livro e o livro cresceu de tamanho e se transformou numa tela de pintura, os dedos da minha mão viraram pincéis, e dos pincéis saiam raios nas cores do arco íris. Então eu comecei a pintar uma nova paisagem. Onde havia tristeza, eu pintava alegria, onde havia dor, eu curava as feridas, onde havia desânimo, eu pintava esperança, e para completar, eu pintei uma bela guerreira que seria sua companheira e amiga.
Infelizmente eu não pude transformar o feitiço, as maldades do homem branco na vida do indiozinho, porque já estava enraizado no seu passado, na vida dos ancestrais, e porque também não dependia só de mim para desfazer aquele grande mal que assombra o homem e a natureza, dependia de várias outras pessoas que amasse o indígena, valorizasse a sua cultura, a terra, os animais e a Natureza.
Somente pode mudar a vida do indígenas, aqueles que tiverem dispostos a lutar por uma causa digna, justa e de direitos negados, da cultura negada, e da sua identidade perdida. Então eu disse para aquele indiozinho, que tivesse calma, que eu, e você que lê este pequeno conto, acordaríamos deste pesadelo e que na vida real, no momento certo Dokôra ( Deus) haveria de enviar alguém que nos ame com toda a força dos ventos e venha quebrar o feitiço e trazer de volta a nossa forma natural, a nossa cultura, nosso povo, e teríamos as terras que sempre sonhamos.
Ele me agradeceu, sorriu, e eu acordei.
Solange Reis(Sol)/Opetahra Puri - Julho/2017
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