Ms. Sonia da Silva Ortiz (sonia.s.ortiz@gmail.com)
Naquela tarde de em Barra de Piraí conhecemos a família dos Da Mata, em especial Seu José Maria Teixeira de Oliveira. Enquanto tomávamos um cafezinho, podíamos ouvi-lo contar a história de sua família e os causos contados por seu pai João Da Mata. Eu, minha família, Marcelo Lemos e Marilda Vivas víamos os olhos de Seu José brilharem enquanto gravávamos sua história e percebíamos o encantamento daquela família orgulhosa de sua origem. Os parentes ora lhe perguntavam, ora complementavam suas memórias.
Seu José nasceu em Conservatória. Seu pai, Chico Da Mata, era um caboclo filho do português Renato de Oliveira com Adelaide Da Mata. A avó materna de Chico era sitiante e Chico morava no sítio dela, o sítio da Saudade, aonde depois foi construído o Hospital de Conservatória. Chico frequentava diariamente a padaria de S. Antônio Teixeira, onde trabalhava rachando lenha e às vezes até dormia lá. Na padaria se vendia de tudo, desde panelas, ferramentas e alimentos. Nos fins de semana, Chico costumava fazer um churrasco regado a muita pimenta na padaria do Teixeira. Enquanto fazia os assados, Chico parava de vez em quando para montar seu cigarro de fumo de rolo e beber a cachacinha. Depois de alguns copos, já falava uma língua que ninguém entendia, a língua purí, da sua bisavó.
Naquela época não tinha rádio nem nada, só luz de lamparina. D. Adelaide cantava “Lua Branca”, de Chiquinha Gonzaga, e outras músicas de seu tempo e o povo chamava Adelaide, a filha de Antônio Teixeira, para cantar também. A bela menina acompanhava tudo e assimilava essa cultura. Foi nesse clima que se apaixonou por Chico Da Mata.
Aos 14 anos, Adelaide brincava ainda de boneca de pano. Certo dia foi brincar na beira do Rio dos Índios, se distraiu, caiu no rio e se afogou. Alguém a puxou pelos cabelos e a salvou. Ela estava com 16 anos quando Chico da Mata se apaixonou por ela. Encantado com aquele homem forte e acobreado, de olhos pequeninos, e com cabelos negros e lisos como todo índio da região, S. Teixeira autorizou o casamento.
Chico trabalhava muito, era um pedreiro do Estado, um canteiro, que trabalhou por anos lavrando pedras de cantaria, fazendo pontes, bueiros, contenção de barreiras à beira dos rios, e outras construções, que aprendera com um engenheiro do Estado. Deixou obras em Barra do Piraí, Vassouras, no Pronto Socorro em Valença, em Conservatória, no caminho antigo da Ipiranga indo pra Mendes e no caminho pra Miguel Pereira.
Da Mata acordava muito cedo, por volta de 3:30 e andava muito pelas estradas, desde Rezende. Como o rio Piraí é longo, pegava o trem da rede, de bitola pequena, e saltava em Piraí, para ir até Passa três. Contava que sempre que saía de casa, tinha uma visão de um caboclo com uma tocha atravessando o seu caminho, seguido por outros como ele. Não tinha medo de andar pela mata sozinho e se sentia acompanhado.
A avó paterna de José dizia que a mãe dela lhe contava que os índios que viam o Pirapora, que era uma figura muito feia, ficavam com a cabeça ruim, insanos, e José acreditava. Chico cresceu ouvindo histórias de Iaô, caipora, saci e até da cigana, para assustá-lo e impedir que saísse para longe de casa, mas adulto não tinha medo da mata.
Os anos se seguiram e na casa de Adelaide e Chico, toda sexta e todo sábado, reuniam dois cavaquinhos, dois violões, dois bandolins e uma flauta. Em sua casa de chão batido, não havia rádio, pois só os ricos tinham luz e rádio naquela época, Adelaide continuou a tradição da padaria, cantava como tenor, enquanto Chico Da Mata, com um cigarro de palha de fumo de rolo detrás da orelha ia bebendo cachaça e assando carnes e peixes na brasa. Adelaide também fumava fumo de rolo.
Assim começou a tradição seresteira de Conservatória. Muita gente ia lá, nos fins de semana, porque gostava de carnes e fugia do macarrão. O repertório foi evoluindo, de Catulo da Paixão Cearense, Francisco Alves e Orlando Silva, até que surgissem as toadas. Enquanto conversavam, surgiam paródias e causos que rolavam com a música e cachaça.
Desse casamento nasceram 13 filhos que hoje estão espalhados por Conservatória e Barra do Piraí. Como a última morreu, José era o caçula e trabalhou muito desde pequeno, ajudando seus pais. Chico fazia doce de jiló, colocava num vidro grande e pedia para José levar na padaria de cima, que existe até hoje.
José também se lembra de ter visto o saci, que assobiava em cima de uma árvore na frente da casa e de muitas outras histórias que seu pai contava como a da árvore que anda e da mãe do ouro que caía na cachoeira. Diz a lenda que onde aquela luz caía tinha ouro. Sua sobrinha também disse ter visto uma bola de fogo que atravessou o céu na direção de Vargem Grande. O imaginário e as histórias dos seus ancestrais povoaram suas vidas e a família acredita até hoje nesses mistérios e mitos. Não sei o que é o Yaô para o Pury dessa região, quem souber me conte. Na Serra da Beleza ainda se vê muitas coisas sem explicação e o que os antigos nos contavam ainda acontece por aí, pois Pury há leká Valença.
A bola de fogo atravessando o céu em Conservatória eu também vi, da sacada de uma pousada em uma madrugada. Até hoje não sei explicar o fenômeno!