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Foto do escritorPuri Vivo

Cura e saberes tradicionais que passam de mão em mão

Atualizado: 31 de mai. de 2022

Maria Zoronga Purí - Olivia Batista[1]


Tinha eu uns 13 ou 14 anos quando, nas férias escolares, aproveitava pra ganhar uns trocados em uma plantação de uvas aqui nos arredores de Barbacena. Éramos um grupo de meninas aqui do Vilela e do Boa Vista que um ônibus vinha apanhar por volta das seis da manhã.

Um dia, no trabalho debaixo das parreiras, senti fortes pontadas no ouvido esquerdo. Pontadas que se repetiram e me impediam de conseguir trabalhar. Decidi pedir pra me levarem pra casa.

Dei a volta no galpão de madeira, onde ficavam as ferramentas, nossos materiais pessoais, onde fazíamos as nossas refeições e trabalhávamos nos momentos de chuva. Cheguei aos fundos da casa do patrão.

Durante a conversa com ele avistei um pé de Bálsamo e vi ali a solução. Pedi que esquentassem pra mim uma folha em uma colher e espremi uma gota no ouvido. Ainda consigo sentir aquela gota descendo suave e quente até o fundo do canal e nunca mais senti aquela pontada.

Não me lembrava se tinha ouvido falar ou se já tinha visto minha mãe utilizar essa erva para esse fim, mas foi com ela que aprendi a maior parte do que sei sobre Plantas Medicinais. Ela sempre as utilizou para gente e bicho. Um dia uma galinha estrepou a asa em um vergalhão e quando ela descobriu, a parte de dentro já estava podre, esverdeada. Fez um chumaço de Mentruste, socado com sal e tacou no machucado. Daí uns três dias foi conferir e estava tudo sequinho, o chumaço e a buraco da asa. Estava curada a galinha.

De outra vez minha irmã chegou em casa desanimada com a diarreia que havia atacado seus meninos gêmeos de uns dois anos de idade. Os “remédios da farmácia” não estavam fazendo efeito e ela trouxe para minha mãe cuidar e eu vim pra ajudar. Ela já conhecia o poder de cura do “Carrapichinho Coração de Jesus” pois lembrava, que na sua infância já havia sido curada com ele pela sua madrasta. Foi uma semana de chá e banho que livraram os meninos daquela terrível caganeira.

E assim sempre havia em casa alguém caçando um pé de Picão, Transagem, Mané Magro, ou umas folhas de Goiaba, de Laranja ou ainda umas flores de Camomila, Rosa Branca e outras que ela sempre teve em casa. Fora os “curativos” que fazia nas feridas nossas, dos nossos colegas de brincadeiras e de quem passasse pela rua. Um dia, no ônibus, quando um neném chorava muito ela pediu que a mãe colocasse a mão na barriga da criança que logo foi se acalmando.

Minha mãe sempre contou prá nós as histórias de seus parentes principalmente de sua avó, a mãe Nora. (Ela ficou órfã de mãe aos seis anos de idade). Foi com ela que soubemos e aprendemos a gostar desse lado indígena que trouxe lá das bandas de São João del Rei, do Arraial do Rio das Mortes Pequeno, onde nasceu. Gostar e praticar! Subir nas árvores, brincar de peteca que ela mesma fazia prá nós e pular o cipó que ela apanhava aqui no fundo da horta. E a gangorra também... Comer as verduras e legumes que, com a sua intuição e seus conhecimentos, ela sempre cultivou para inteirar a alimentação de oito filhos. E as goiabas, as bananas, as laranjas, os mamões, os caquis, as canas e até a garapa que chegou a fazer na engenhoca que não sei o porquê, não durou muito tempo...

E cá estou, em companhia dela, com muito prazer e alegria, através da minha palhaça Maria Zoronga Purí, a contar essas histórias.

Outono de 2022

[1] Maria Zoronga Purí, palhaça de Olivia Batista, Professora por formação, ambientalista, ativista social e produtora cultura por curiosidade e experimentação.

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