Em março durante o equinócio começa o outono em todo o hemisfério sul do planeta, sendo a lua nova próxima a esta data o inicio do ano novo Pury, sendo inclusive este início marcado também por um acontecimento natural que foge da esfera astronômica, a enchente das goiabas, indicando a última chuva das estações chuvosas e a presença de grande fartura em goiabas a ponto de o rio ficar cheio daquelas que caíram do pé, como descrito por alguns parentes mais velhos. Além das goiabeiras várias outras plantas do nosso território ancestral florescem e/ou frutificam neste período, sendo inclusive uma estação tão alegre quanto à primavera, fugindo muito dos ares melancólicos do outono de climas temperados que as mídias insistem em mostrar como características do outono brasileiro.
Na região que cresci (Sul da Serra do Brigadeiro) com a chegada do outono as matas ficam todas manchadas de amarelo e roxo pela floração conjunta das quaresmeiras, fedegosos e canafístulas. No início da estação o tempo é muito agradável, com temperatura moderada e um vento muito aconchegante, inclusive nestes tempos de pandemia cansei de me sentar na beira do terreiro e observar as árvores dançando com os ventos relativamente fortes que passam por aqui esta época, é uma época que mesmo uma pessoa pouco religiosa sente harmonia e propósito ao observar por alguns minutos a natureza. É também época de colheita do amendoim, abóbora de porco, abóbora d’água, a segunda colheita de feijão conhecida como “feijão do tempo”, a colheita do milho plantado durante o retorno das chuvas em setembro/outubro, colheita do arroz, batata-doce, abacate, frutas cítricas como o limão e laranja, inhame, o angá-cipó amadurece e o lobrobô (ora-pro-nóbis) está repleto de frutos. Apesar de ventar bastante uma característica que no imaginário geral pertence mesmo ao outono são raras as árvores que perdem as folhas nesta época, sendo mais comum que uma minoria perca durante o inverno. É comum as manhãs começarem com um nevoeiro bem denso e ele ir dissipando conforme vai entardecendo, estando bem frio de manhã mas com um tempo ameno tendendo a quente por volta do meio dia, há semanas onde o tempo fica nublado por vários dias, caindo eventualmente uma neblina fina. Como citado anteriormente muitas estão floridas ou com frutos, poderia ficar horas e horas descrevendo só as plantas que conheço que florescem e/ou frutificam neste período, afinal o território Pury fica quase todo na Mata Atlântica, o domínio vegetativo mais rico em espécies de plantas do mundo ou também como a diferença climática entre a Serra e o baxí (nome popular aqui dado as terras baixas a oeste da Serra do Brigadeiro que compreendem os municípios de Guiricema, Visconde do Rio Branco e Ubá) afetam o desenvolvimento de algumas plantas, mas vou citar as principais que tenho um apego e relação maior.
Paisagem rural no município de Ervália com muitos indaiás ao fundo
O indaiá é uma palmeira muito comum no meu município (Ervália-MG), são incontáveis na paisagem que não duvidaria que sua dispersão possa ter sido facilitada pelos povos originários assim como ocorreu com a araucária, é uma das poucas plantas que os colonizadores pouparam durante a invasão desta região, a grande maioria deles são plantas muito antigas e estão por toda parte, em meio a lavouras de café, em meio a pastos, em fragmentos de mata, já perguntei a várias pessoas mais velhas purys e não purys porque em várias regiões apenas os indaiás foram poupados do desmatamento e ninguém sabe falar com certeza, a hipótese mais comum que muitos falam é que antigamente a palha era muito importante para cobrir edificações e também devido ao seus cocos de grande tamanho em comparação com outras palmeiras nativas, sendo de grande interesse na época, hoje não é muito comum nenhum dos dois usos, sendo raro pessoas em minha região que coletam e quebram o grosso coco de indaiá e usam sua palha como cobertura. Pouco tempo atrás em um passeio vi da estrada um sítio com um trançado muito bonito com as folhas de indaiás sendo usado como cobertura de um curral, onde pretendo voltar após a pandemia para conhecer melhor quem a teceu. O coco de indaiá é protegido por uma casca muito grossa e dura, sua semente é muito gostosa, tendo gosto de coco comum, mas um pouco mais fibroso. Durante o outono é possível ver várias palmeiras com seus longos cachos repleto de frutos. Apesar de ser uma planta comum, é raro ver palmeiras jovens e acredito que em um futuro próximo poderá ter um declínio forte de suas populações aqui na região, acredito também que as palmeiras de indaiá aqui presentes podem tratar de várias espécies diferentes, devido a algumas diferenças, mas cabe a um bom morfologista analisar isto.
Indaiá visto de perto
O araçá, outra espécie de planta que frutifica neste período é um parente bem próximo das goiabas, são muito comuns em beira de estradas. Os araçazeiros florescem e frutificam aos poucos, havendo frutos maduros ao longo de quase todo outono e inverno, tem um sabor parecido com o da goiaba, mas um pouco mais ácido, são bem menores e consumidos assim que coletados, não costumam ter bichos (larvas de moscas das frutas) algo que chega a ser até característico das goiabas daqui, obrigando quem a coleta a descartar o fruto quase todo.
Flor e fruto do araçazeiro
O maracujá do mato é uma espécie que geralmente floresce no fim do outono quando já está bem mais seco, suas flores em tons carmesim e roxo são extremamente bonitas e atraem uma quantidade absurda de vida ao seu redor, como beija-flores, mangavas e alguns insetos sugadores. A florada destas plantas parece um milagre em meio a ervas e arbustos que podem já estar mortos devido ao avanço da seca. O maracujá do mato é uma trepadeira que cresce em locais abertos em início de recuperação florestal ou em clareiras no meio da mata, seu fruto é arredondado com alguns podendo ser meio ovais, é muito doce e lembra em quase nada o maracujá comum, é muito comum em beiras de estradas em várias regiões dentro do território pury, os frutos são ótimos para suco e muito procurados pelos animais silvestres, são vistos como uma preciosidade por muitas pessoas do meio rural, suas folhas largas e redondas raramente são consumidas por qualquer inseto ou outros animais. Boa parte das pessoas mais velhas acreditam que estes frutos tem um potencial calmante muito forte e algumas pessoas até os evitam por isso. É uma planta que ninguém costuma plantar, apenas coletar os frutos que encontram na natureza, não costuma sobreviver se sua muda for mudada de lugar e é muito resistente á seca, demora dois anos para começar a produzir flores e frutos e tem um crescimento bastante agressivo, chegando a cobrir as copas de árvores próximas.
Maracujás do mato, flores, frutos e partes vegetativas
Com o avançar do tempo vai chegando o inverno, uma estação bem mais seca e fria que a anterior que abordarei em oportunidades posteriores.
Que beleza, Daniel, eu nasci e fui criado no baixio da Serra do Brigadeiro. Em breve voltarei á região e gostaria de conhtactá-lo, bem como com outros parentes.