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Foto do escritorPuri Vivo

A “pele social” do Povo Originário Pury

Ñáma Telikóng Pury - Carmelita Lopes

 

Mesmo sem muita informação dos significados dos ornamentos e da pintura corporal e seu sagrado na ‘pele social’, parte do território do corpo do Povo Originário Pury, cabe apontar algumas para pesquisas futuras.

Temos o registro de Antony Knivet, em sua narrativa da viagem nos anos de 1591, quando relata que Martim de Sá o mandou “buscar um outro gênero de selvagens chamados Pories (Puris), escreve que foi conduzido a uma casa grande, que ele supôs ser do rei dos Pury e que o chamavam de merovichava (morubixaba). O autor traz o informe de um ornamento específico daquele suposto rei, bem como seu comportamento:

Retiraram-se as mulheres, e entrou um velho, cujo corpo estava pintado de vermelho e negro. Tinha na cara três grandes buracos, um no lábio inferior e um em cada face; em cada um desses buracos; em cada um d’esses buracos trazia uma pedra verde. Armado com uma espadade páo, se pôs diante do lugar que eu occupava; fallou com voz firme e forte; bateu nos peitos e coixas, berrando como se houvéra perdido o sizo. (...) Depois de todo esse berreiro, bateu-me sobre a cabeça , deu-me boas vindas, e mandou que me apresentassem a comida que havia em sua casa. (212-213)

Spix e Martius registram, em viagem ao Brasil (1817 a 1820), relacionam às mulheres o uso do fio de contas: “algumas usavam contas de vidro, outras fios de sementes pretas e vermelhas com dentes de macacos em seus pescoços”.

O Príncipe Maximilian-Wied Neuwied na gravura "Puris nelle loro foreste" de seu livro Travels in the Brazils (Travels in Brazil in 1815, 1816, and 1817, 1820, p. 60-61), em que os Pury atravessavam a floresta, registra também o homem usando o fio de contas de sementes, em volta do pescoço ou atravessado no peito. Há na cabeça do primeiro da fila uma ‘touca’ que o Príncipe registrou: “Alguns dos homens se ornamentaram com um pedaço de pele de macaco chamado Mono (Ateles[1]), amarrado em volta amarrado em volta da testa[2]. E, segundo Karaí Mirim Puri-Guarani, conforme relato de seus avós, era uma tecelagem feita com linha do tronco da bananeira ou de algodão e era de uso específico de alguns.

O Príncipe Maximilian ainda registra as pinturas e as manchas pretas nas crianças: Alguns dos homens e mulheres jovens eram muito pintados; eles tinham pontos vermelhos na testa e bochechas, e, em parte, listras vermelhas no rosto; no corpo de outros eram vistos listras pretas, tanto no sentido longitudinal quanto transversalmente, misturadas com pontas; e várias crianças estavam totalmente cobertas com a mesma descrição de pequenas manchas pretas.[3]

Não há registro do Príncipe Maximilian referente à pintura no braço e na perna da mulher que aparenta ser um paralelo de listras com pontos dentro em zigue zague, que mais uma vez não está presente em todas.

Outro registro ainda do Príncipe Maximilian no mesmo texto, o que podemos ressaltar é que ele, numa nota de rodapé, contradiz a informação sobre usarem dentes de macaco nos colares, bem como já identifica o azul escuro no corpo e o vermelho no rosto:

Alguns tinham manchas vermelhas pintadas na testa e bochechas com Urucu (Bixa Orellana, Linn.) E no peito e nos braços todos eles tinham feito listras azul-escuras com a seiva do Genipapo (Genipa Americana, Linn.) Essas são as duas cores que os Tapuyas usam. Em volta do pescoço, ou sobre o peito e um ombro, eles usavam um cordão de amoras-pretas roscadas e duras, na parte frontal do centro das quais estavam entrelaçados os dentes de macacos, onças, gatos e outros animais de presa, embora muitos tivessem colares desse tipo sem dentes. O ornamento aqui aludido consiste em corpos castanhos-escuros ocos, longitudinais, que em forma são muito semelhantes a um dente (dentaliun) e, portanto, são considerados de origem animal, até que um exame mais rigoroso mostra que eles são formados a partir de uma substância de casca, e são, portanto, sem dúvida, o casco de algum espinho.[4]

Já na gravura “Dança dos Puri” de Van de Velden  (1820-1823), algumas mulheres tinham desenhos de cobras em seus braços e outras figuras de cor preta e vermelha no rosto[5].” (SPIX & MARTIUS, 1823, p. 374) o que também pode caracterizar o uso ser só para determinadas mulheres.

Nas memórias afetivas de alguns parentes, a cobra urutu-cruzeiro (Bothrops alternatus) era um animal sagrado para as mulheres porque na presença da luz do sol ela emite um tipo de colorido que as hipnotizava. Além de ser reverenciada como os outros animais que conseguem viver abaixo do solo como o tatu, a minhoca e outros.

Sendo assim, os registros não são esclarecedores dentro da visão de mundo do Povo Pury sobre quais homens e quais mulheres as usavam e quais signos representavam tanto no individual, quanto no coletivo na construção da identidade ou na marca de posição no coletivo.   

 

[1]Macaco-aranha ou coatá é uma denominação comum a várias espécies do gênero Ateles.

[2]Some of the men had ornamented themselves with a piece of the skin of the ape called Mono (Ateles,) bound round (Prince Maximilian'sTravels in the Brazils.Travels in Brazil in 1815, 1816, and 1817. WIED, Maximilian, Prinz von (1782-1867), 1820)

[3] Some of the men and young women were much painted; they had the red points on their forehead and cheek, and, in part, red streaks on the face; on the body of others were to be seen black streaks, both lengthwise and across, intermixed with points; and several children were covered all over with the same description of small black spots.

[4]Some had red spots painted on their forehead and cheeks with Urucu, (Bixa Orellana, Linn.) and on the breast and arms they had all made dark-blue stripes with the sap of the Genipaba-fruit; (Genipa americana, Linn.) these are both the colours which the Tapuyas use. Around their neck, or over their breast and one shoulder, they wore a string of threaded, hard blackberries, in the front part of the centre of which there were in- terwoven the corner teeth of apes, ounces, cats, and other animals of prey, though many had necklaces of this kind without teeth. The ornament here alluded to consists of dark-brown, hollow, longitudi- nal bodies, which in shape are very similar to a Dentalium, and are therefore supposed to be of animal origin, till stricter examination shews that they are formed from a barky substance, and are hence, without doubt, the hull of some thorn.

[5]Einige Weiber hatten Schlangen ähnliche Zeichnungen auf den Armen und andere Figuren von schwarzer und rother Farbe im Gesichte.Capítulo II. Viagem de Villa Rica ao. Coroados - índios no Rio

Xipotö. P. 3 55 - 394Fazenda Guidovald na Serra da Onça

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