1) Como você ouviu falar de um lunário na cultura Puri?
No grupo da internet que eu participava começaram a surgir muitas informações e eu nunca tinha ouvido falar dessas coisas, Seu Felismar que viveu em meio à grupo de pessoas Puri, ainda criança, a Meire também que tem avó dela que vivera em comunidade, e eu fui ficando cada vez mais curiosa e eu ia perguntando...
2) Que fatores lhe impulsionaram a fazer uma versão contemporânea?
Desde de criança a gente aprende nas escolas que os Puri eram povos de baixo desenvolvimento tecnológico, não tinham tecnologia nenhuma, mal falavam... falavam com uma linguagem rudimentar, não sabiam construir, não sabiam plantar, e a gente ficava assim, sem saber muito... e também o que Seu Felismar contou, o fato dos anciãos se reunirem uma vez por ano no solstício de inverno, no alto de uma montanha, para observar as estrelas e tal... mostra que eles tinham noções de astronomia, a questão deles terem um sistema de contagem do tempo também, isso é muito importante!
Porque mostra o contrário do que era ensinado, tem essa noção de astronomia, de passagem do tempo não é algo primitivo assim; então o que me motivou foi isso: mostrar pra todos que a Cultura Puri é muito mais ampla do que aquilo que a gente imagina, não eram simples "homens das cavernas". Infelizmente a gente não tem muito mais informações sobre como realmente era feito, porque os Guardiões do Tempo, eles não existem mais. Claro, Seu Felismar conheceu mas não chegou a ter conhecimento muito detalhadamente como isso era feito... Perguntei a Seu Felismar e a Meire e algumas coisas eles não conseguiram me explicar...
3) Como foi o processo de elaborá-lo?
Como eu fiz, algumas coisas são muito importantes nesse lunário: o mês começa sempre na Lua Nova. A outra coisa muito importante é que o ano começa sempre próximo da enchente das goiabas que ocorre ali perto do equinócio de outono, a primeira Lua Nova, perto da enchente das goiabas... que ocorre por volta ali de abril. Março, Abril. Então partindo desses dois princípios, segundo Seu Felismar, a semana tinha sete dias, o mês tinha quatro semanas, quatro luas no caso... e cada lua sete dias, só que fazendo isso você teria um ano de 13 meses, mas como as lunações não são regulares, alguns meses não começariam no dia da Lua Nova... e isso fez com que a gente descartasse essa alternativa. Então pesquisei outros calendários lunares e me baseei mais ou menos no sistema do calendário chinês e do calendário israelense; ambos prevêem um ano com doze meses lunares e eles acabam dando uma pequena diferença de cerca de 13 dias, um pouco mais com relação ao calendário solar.
Isso com o tempo... Dá uma diferença grande. Dentro de dez anos pode ser que seu ano comece lá no verão... ou no inverno, dependendo se você puser 12 meses ou 13 meses. Então como eles fazem? Eles fazem um ano com doze meses e eventualmente eles põem um décimo terceiro mês para corrigir essa diferença... E foi mais ou menos assim que elaborei, o mês começando sempre na Lua Nova, o ano começando sempre na Lua Nova mais próxima ali do equinócio de outono para coincidir com a época das enchentes das goiabas e esse mês variável, o décimo terceiro mês variável.
4) De que forma você acha que ele impacta a Cultura Puri contemporânea? E por fim... a Cultura Puri conheceu e vive da diáspora como vc vê as tentativas de criar laços culturais em meio à dispersão dos Puri?
4) Eu acho muito complicado depois de tantos anos de diáspora a gente tentar resgatar tudo isso, é muito difícil para nós, porque praticamente não sobraram registros, os registros que chegaram a nós não foram feitos pelos Puri; então é muito difícil... a gente tenta reunir informações com os anciãos, mas eu que teria mil e uma perguntas pra fazer... eu tô muito longe, morando no Rio Grande do Sul, e as pessoas estão todas espalhadas. As pessoas que estão dispostas a resgatar isso estão muito espalhadas, é muito difícil a gente se reunir, mas de qualquer forma, eu quis fazer isso porque eu acho que tem um impacto, um impacto de você ver uma coisa que te traz um orgulho, uma novidade... algo que você não imaginava que seus ancestrais faziam, eu acho que ter um lunário que casa mais ou menos com o clima, com as coisas que acontecem nessa região que os Puri viviam, de São Paulo até o Espírito Santo, passando pela zona da mata mineira e fluminense, ali tem um clima, uma natureza própria... quando você olha para o lunário, pra sua contagem de tempo, observando as coisas que acontecem a cada mês, a seca... a época do verão... a época que o milho começa a ter sua floração, a época em que as goiabas amadurecem, tudo isso, você identifica... as suas raízes ali. Eu acho que de certa forma era um certo orgulho, né? A gente poder se reconhecer ali, o sangue é uma coisa que às vezes pulsa mais forte quando a gente reconhece os traços de nossos ancestrais nessas coisas.
Realmente é muito difícil criar laços culturais em meio à dispersão.... Eu por exemplo, quanto mais eu conheço da cultura Puri, mais eu me identifico com as coisas. Eu sou uma pessoa muito quieta no meu dia a dia, eu falo pouco... Eu adoro uma rede rs... Eu sou muito curiosa... Enfim, eu gosto de andar no mato... Tem uma série de coisas que às vezes a gente fica parando para pensar... "Acho que isso vem da minha raiz Puri"... Eu acho que quando as pessoas começam a conhecer, às vezes elas se identificam, às vezes não; mas depois de uma diáspora que durou tantos anos é difícil a gente recriar esses laços, né? É uma luta muito árdua, até porque a vida moderna praticamente nos impede de reunir de novo em comunidade física, é uma coisa que não sei se tem volta... Mas talvez criar um centro de tradições e memória... Ou talvez reincorporar esses traços da cultura Puri no nosso dia a dia é algo que a gente pode tentar fazer... Isso aí é um trabalho de Hércules e ao mesmo tempo um trabalho de formiguinha, porque realmente a vida moderna nos impede de fazer esse tipo de coisa. Mas... O que a gente puder contribuir para que isso siga em frente, a gente vai continuar a contribuir. Esse ano estou muito atarefada quanto à família e ao trabalho, então tem sido muito difícil para mim poder participar ativamente, fora que moro muito longe... Mas acho fundamental e necessário a gente insistir nisso, embora seja difícil... A gente tem que insistir nisso.
Parabéns pelo Lunário, esses calendário que caminham juntos com os ciclos da natureza deveriam ser os oficiais. Deixar o calendário cristão como conhecimento geral.